O Auto da Barca do Inferno: uma obra de transição, crítica e moralidade

O Auto da Barca do Inferno é uma obra de teatro escrita por Gil Vicente em 1517, considerada uma das mais importantes e representativas da literatura portuguesa. A peça faz parte da Trilogia das Barcas, junto com o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória, e apresenta uma alegoria do juízo final cristão, com uma forte crítica social e moral à sociedade portuguesa do século XVI.

Gil Vicente foi um dramaturgo e poeta português, nascido provavelmente em 1465, em Guimarães, e falecido em 1536, em Évora. É considerado o fundador do teatro em Portugal e o maior representante do humanismo literário, um movimento artístico e filosófico que valorizava a cultura clássica e o pensamento racional, mas sem abandonar os valores religiosos e populares da Idade Média. Gil Vicente escreveu mais de quarenta peças, entre autos, farsas, comédias e tragédias, em português e em espanhol, utilizando uma linguagem simples, expressiva e humorística.

O Auto da Barca do Inferno

Resumo

O Auto da Barca do Inferno é composto por um único ato, dividido em cenas que correspondem à chegada de diferentes personagens ao porto onde estão duas barcas: uma conduzida pelo Anjo, que leva as almas para o Paraíso, e outra pelo Diabo, que leva as almas para o Inferno. Cada personagem traz consigo os símbolos de sua vida terrena e tenta justificar seus atos perante os dois barqueiros, que decidem seu destino eterno.

A primeira personagem a chegar é o Fidalgo, um nobre arrogante e orgulhoso, que traz uma cadeira de espaldar e um pajem. Ele se dirige à barca do Anjo, mas é rejeitado por ele, que lhe mostra o rabo que ele carrega como sinal de sua tirania e luxúria. O Diabo o convida para entrar na sua barca, onde já está um companheiro seu, um outro fidalgo condenado. O Fidalgo tenta resistir, mas acaba sendo arrastado pelo Diabo.

Em seguida, chega o Onzeneiro, um agiota ganancioso e usurário, que traz um grande baú cheio de dinheiro. Ele também se dirige à barca do Anjo, mas é igualmente recusado por ele, que lhe diz que seu dinheiro não tem valor no outro mundo. O Diabo o recebe na sua barca, mas lhe tira o baú, dizendo que ele não pode levar nada consigo. O Onzeneiro se desespera e se agarra ao baú, mas é empurrado pelo Diabo para dentro da barca.

Depois, aparece o Parvo, um homem simples e inocente, que traz um cajado e um chapéu. Ele cumprimenta os dois barqueiros e pergunta se eles querem passá-lo para o outro lado. O Anjo lhe diz que sim, pois ele não cometeu nenhum mal por malícia em sua vida. O Parvo fica feliz e agradece ao Anjo pela bondade. O Diabo tenta seduzi-lo com promessas de festas e mulheres na sua barca, mas o Parvo não se deixa enganar e prefere ficar na barca do Anjo. Ele espera pacientemente pela partida da barca celestial.

A seguir, vem o Sapateiro, um homem trabalhador, mas que roubou e enganou seus clientes. Ele traz uma bolsa com ferramentas e sapatos velhos. Ele se aproxima da barca do Anjo e diz que cumpriu seus deveres religiosos em vida. O Anjo lhe mostra os sapatos que ele estragou de propósito para ganhar mais dinheiro e lhe nega a entrada na sua barca. O Diabo o chama para a sua barca, mas lhe tira a bolsa, dizendo que ele não pode levar nada do que roubou. O Sapateiro se lamenta e entra na barca infernal.

Logo depois, chega o Frade, um religioso que não seguiu os preceitos da Igreja. Ele traz um hábito, um capacete, uma espada e uma moça chamada Florença, sua amante. Ele se dirige à barca do Anjo, mas é repreendido por ele, que lhe acusa de ser um falso frade, que se dedicou aos prazeres carnais e à violência. O Diabo o recebe na sua barca, mas lhe diz que ele tem que deixar a moça, pois ela é muito bonita para o Inferno. O Frade se recusa a abandonar sua amante e briga com o Diabo, que acaba cedendo e permitindo que ela entre na barca.

Em seguida, surge a Brízida Vaz, uma alcoviteira e feiticeira, que traz um livro de sortilégios e um gato. Ela se dirige à barca do Anjo, mas é rechaçada por ele, que lhe diz que ela é uma bruxa condenada pela Inquisição. O Diabo a convida para a sua barca, mas lhe diz que ela tem que deixar o livro e o gato, pois eles são instrumentos de magia negra. A Brízida Vaz se recusa a deixar seus pertences e discute com o Diabo, que acaba aceitando que ela entre na barca com eles.

Depois, aparece o Judeu, um homem que não segue a religião cristã. Ele traz uma cabra e um bode. Ele se aproxima da barca do Anjo, mas é rejeitado por ele, que lhe diz que ele não pode entrar no Paraíso por não ser batizado. O Diabo também o recusa na sua barca, dizendo que ele não pode entrar no Inferno por não ter fé. O Judeu fica confuso e sem saber para onde ir. Ele tenta negociar com os dois barqueiros, mas nenhum deles aceita levá-lo. Por fim, o Diabo decide levá-lo para o Limbo, um lugar onde ficam as almas sem destino.

A seguir, vem o Corregedor e o Procurador, dois representantes da justiça. Eles trazem livros de leis e documentos. Eles se dirigem à barca do Anjo, mas são reprovados por ele, que lhe diz que eles foram corruptos e injustos em vida. O Diabo os recebe na sua barca, mas lhe tira os livros e os papéis, dizendo que eles não servem para nada no Inferno. O Corregedor e o Procurador se revoltam e entram na barca infernal.

Por último, chegam os Quatro Cavaleiros, quatro homens que lutaram nas guerras pela expansão do cristianismo. Eles trazem armaduras e armas. Eles se dirigem à barca do Anjo, que os elogia por sua bravura e fé. O Anjo lhes concede a entrada na sua barca, dizendo que eles são merecedores da glória celestial. Os Cavaleiros agradecem ao Anjo pela graça e entram na barca do Paraíso.

A peça termina com a partida das duas barcas: a do Anjo leva as almas dos justos para o céu; a do Diabo leva as almas dos pecadores para o inferno.

Explicação

O Auto da Barca do Inferno é uma obra de caráter moralizante e satírico, que reflete a visão de mundo de Gil Vicente e de seu tempo. A peça apresenta uma crítica à sociedade portuguesa do século XVI, marcada pela corrupção, pela hipocrisia, pela ganância e pela decadência moral de diversas classes sociais: a nobreza, o clero, a burguesia, os juristas, os religiosos dissidentes etc.

A peça também expressa a religiosidade medieval e humanista de Gil Vicente, baseada nos valores cristãos e na crença no juízo final como forma de recompensa ou castigo pelas ações praticadas em vida. A peça mostra que ninguém escapa da justiça divina e que todos devem prestar contas de seus atos perante Deus.

A peça utiliza uma linguagem simples, coloquial e popular, misturando português e espanhol, e recorrendo a provérbios, ditados, trocadilhos, ironias e sarcasmos. A peça também utiliza recursos cênicos, como figurinos, adereços, gestos e músicas, para caracterizar os personagens e criar efeitos humorísticos e dramáticos.

O Auto da Barca do Inferno é uma obra de teatro de transição entre a Idade Média e o Renascimento, pois apresenta elementos típicos de ambos os períodos históricos. Por um lado, a peça mantém a estrutura dos autos medievais, que eram peças religiosas que representavam cenas bíblicas ou alegóricas. Por outro lado, a peça incorpora elementos do humanismo renascentista, que valorizava a cultura clássica e o pensamento racional, mas sem abandonar os valores religiosos e populares da Idade Média.

A peça é uma obra de teatro de crítica social, pois denuncia os vícios e as virtudes de diferentes classes sociais da sociedade portuguesa do século XVI. A peça mostra que todos os personagens são pecadores, exceto o Parvo e os Cavaleiros, que são inocentes e heroicos. A peça também mostra que todos os personagens são hipócritas, pois tentam justificar seus atos perante os dois barqueiros, mas são desmascarados por eles.

O Auto da Barca do Inferno é uma obra de teatro de moralidade, pois transmite uma mensagem moral e religiosa aos espectadores. A peça ensina que todos devem viver de acordo com os mandamentos da Igreja Católica e que todos devem se arrepender de seus pecados antes da morte. A peça também ensina que todos devem se preparar para o juízo final, pois nesse momento serão julgados por Deus e receberão a recompensa ou o castigo eterno.

Conclusão

O Auto da Barca do Inferno é uma obra de teatro escrita por Gil Vicente em 1517, considerada uma das mais importantes e representativas da literatura portuguesa. A peça faz parte da Trilogia das Barcas, junto com o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória, e apresenta uma alegoria do juízo final cristão, com uma forte crítica social e moral à sociedade portuguesa do século XVI.

A peça é uma obra de transição entre a Idade Média e o Renascimento, pois apresenta elementos típicos de ambos os períodos históricos. A peça é uma obra de crítica social, pois denuncia os vícios e as virtudes de diferentes classes sociais. A peça é uma obra de moralidade, pois transmite uma mensagem moral e religiosa aos espectadores.

A peça é uma obra de arte que utiliza uma linguagem simples, coloquial e popular, misturando português e espanhol, e recorrendo a recursos cênicos, como figurinos, adereços, gestos e músicas. A peça é uma obra de humor e de drama, pois cria situações cômicas e trágicas com os personagens.

O Auto da Barca do Inferno é uma obra que reflete a visão de mundo de Gil Vicente e de seu tempo. É uma obra que revela a genialidade e a originalidade do autor, que foi capaz de criar uma obra única e universal.

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