Punições contra a Petrobras serão duras nos Estados Unidos.


São incalculáveis as consequências do escândalo do ouro negro (petrolão) para a Petrobras. É que as artilharias sancionatórias, desta vez, não serão lançadas exclusivamente das frágeis bases nacionais (aliás, até aqui, lenientes como sempre), senão também dos EUA, que preparam duríssimas reprimendas contra a empresa (que já sente, desde as profundezas das suas estruturas, os efeitos nefastos das patifarias político-empresariais tupiniquins, conhecidas como P6: Parceria Público/Privada para a Pilhagem organizada do Patrimônio Público). As penas do mensalão não serviram de lição inibitória às parcelas mais desqualificadas das classes dominantes que vivem da parasitação ilícita organizada da res pública. A conta sairá salgada, porque foram enormes os prejuízos causados aos acionistas. Resta saber se o valor final vai ser pago pelos aproveitadores inescrupulosos (que agora insinuam uma quebradeira geral, justamente para parasitar mais dinheiro do Estado) ou se será, uma vez mais, “socializada” por todos os brasileiros (que sempre arcaram com as pilhagens da cleptocracia nacional), diz o artigo do jurista e professor Luiz Flávio Gomes, do portal JusBrasil.

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De acordo com o site Estadão 18/1/15, a ação simultânea da Securities and Exchange Comission (SEC), do Departamento de Justiça (DoJ) e dos tribunais norte-americanos indica que virão sanções duras contra a Petrobras (provavelmente superiores às aplicadas no caso Enron, em 2006, de US$ 7,2 bilhões), se comprovadas as denúncias de corrupção e apurados os prejuízos aos investidores estrangeiros. No Brasil a proteção aos investidores é precária (como precário é o funcionamento de todos os órgãos de controle, a começar pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários -, ligada ao Ministério da Fazenda, e pelo Judiciário, que é extremamente moroso). A estrutura tecnológica, os recursos humanos e poderes de investigação da CVM ainda estão aquém de seu par americano. A brasileira tem um quadro de 500 pessoas e orçamento na casa dos R$ 300 milhões. Já a SEC solicitou US$ 1,7 bilhão em recursos para 2015 e tem 4 mil funcionários (veja Estadão citado). Só em 2014, arrecadou US$ 4,2 bilhões em penalidades, em 755 ações.

Por que as instituições dos EUA, apesar dos seus problemas (tais como os apresentados no escândalo financeiro de 2007-2008) funcionam mais eficazmente que as nossas? Os EUA têm um século a menos que o Brasil, mas mesmo assim são a maior potência mundial (na economia, no campo militar, na expansão cultural, na revolução cibernética e comunicacional etc.). O Brasil, apesar dos avanços, continua com 13 milhões de analfabetos, ¾ da população são analfabetos funcionais, 12º país mais violento do planeta (29 assassinatos para cada 100 mil pessoas), posição 79ª no IDH (nem sequer no primeiro grupo estamos), renda per capita de US$ 11 mil dólares (contra mais de US$ 50 mil dos EUA), baixa escolaridade geral (7,2 anos) etc. Por que somos tão diferentes? Milhares de fatores poderiam ser invocados para evidenciar nossas diferenças. Voltando nossos olhos apenas para ambas as formações históricas, rapidamente entendemos as diferenças abissais (e o quanto as decisões das elites dominantes são decisivas para a evolução – ou involução – de cada nação).

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O Estado, no Brasil, se estruturou primeiro que a sociedade civil, por meio de feitorias, que aqui ganharam (em razão da situação falimentar do reino) novas tarefas: além de entreposto comercial elas desempenharam funções de agência de distribuição de terras, de cobrança de tributos, de administração do território e bancárias (Raymundo Faoro, Os donos do poder: 137). A “estadania” aqui fincou sua bandeira antes que a “cidadania” (que continua precária e deficitária até hoje para grande parcela da população). Os primeiros colonizadores do Brasil (gente treinada na expansão portuguesa na Índia, inadaptados ao trabalho na pátria de origem, os famintos e os sem terras) para ca vieram seduzidos pela ideia de se fazer fortuna prontamente; eram burocratas, nobres, militares fieis ao rei D. João III. Isso significou não apenas a implementação de uma grande colonização comercial em terras ultramarinas, senão também a presença do Estado português (na “fazenda” descoberta e apropriada). Primeiro o Estado, como se vê, depois a sociedade civil.

Fomos, portanto, inseridos no contexto mercantil mundial na posição de colônia, ou seja, de dependência, que até hoje (em muitos setores) ainda perdura. A presença do Estado português, ademais, moldou em formas rígidas (o reino português acabava de inaugurar o absolutismo, com D. João II – 1481-1495) o desabrochar da sociedade civil brasileira (Oliveiros S. Ferreira, A teoria da “coisa nossa”: 34). Ou seja: com a colonização vieram também as inflexíveis instituições sociais (a estratificação social, a estruturação do poder, a formação política e cultural etc.), que abarcavam não apenas um dos Estados mais fechado em si mesmo de toda a Europa (absolutista, autoritário, centralizador, guerreiro, periférico em seu continente, conservador, gastador, ganancioso, expansionista, mas já estagnado – veja G. Neder, Iluminismo jurídico-penal luso-brasileiro: 37 e ss.), senão também a Igreja, estranha aos nativos, que para ca veio com o propósito de converter os habitantes da terra e reforçar o patriarcalismo da organização familiar (Oliveiros S. Ferreira, citado: 34). A organização social brasileira, como se nota, nasce sob o império da teocracia, do patriarcalismo, do autoritarismo e do conservadorismo.

Nos Estados Unidos deu-se precisamente o contrário: primeiro nasceu a sociedade, depois vieram o Estado e suas instituições, criados pelos habitantes da terra, à sua maneira (respeitando-se as liberdades públicas, especialmente as contempladas na Magna Carta de 1215). Os navios que trouxeram ao Brasil os primeiros habitantes, incluindo-se os donatários (das capitanias hereditárias), não transportaram uma transmigração (mudança de um país para outro local com intenção de criar nova pátria), senão colonos e funcionários (incluindo nobres e militares) que vieram para comandar e guerrear, num tipo de cruzada comercial expropriatória, ficando com suas cabeças em Lisboa. As colônias inglesas, forjadas um século depois, se também tinham o ânimo mercantilista de abastecer a metrópole, tomaram rumo completamente oposto à desastrada (para os colonizados) e cruel espoliação portuguesa. Olhando-se para o passado das duas colonizações percebe-se algumas razões para as disparidades institucionais atuais.
   
*Luiz Flávio Gomes - Jurista e professor | JusBrasil

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