Milicianos torturavam moradores em praças públicas no Rio.

Rio de Janeiro - Pelo menos seis condomínios do  Programa Minha Casa, Minha Vida, na Zona Oeste, estariam sendo 'governados' pela ‘Liga da Justiça’. A reportagem de Adriana Cruz, Gabriel Sabóia e Marcello Victor, revela o verdadeiro 'inferno' que vivia os moradores destes condomínios. Segundo os jornalistas do jornal carioca "O Dia", torturas em praças públicas, que muitas vezes terminavam com vítimas mortas com sacos na cabeça, eram os métodos que integrantes da milícia ‘Liga da Justiça’ usavam para expulsar e subjugar até cinco mil moradores desses condomínios.

Ontem 21 suspeitos de integrar o bando foram presos na Operação Tentáculos da Polícia Civil e do Ministério Público, informa uma reportagem de 'O Dia'. Entre os detidos, está o subtenente da PM João Henrique Barreto, o Cachorrão, lotado no 40º BPB (Campo Grande), apontado como um dos chefes da quadrilha. Dos 27 procurados, 13 são agentes públicos. Os negócios da quadrilha, que incluíam revenda e aluguel de imóveis, rendiam R$ 1 milhão, por mês.

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De acordo com as investigações, pelo menos 1.600 unidades foram ‘tomadas’, com a ajuda de milicianos síndicos dos prédios, de seus proprietários. Os imóveis eram revendidos pelo valor de R$ 50 mil, mas os mutuários continuavam pagando a prestação à Caixa Econômica Federal sob ameaça de morte. “Moradores das unidades eram obrigados a pagar taxas por todo tipo de serviço e, em caso de atrasos, eram expulsos ou até mortos”, disse o delegado Alexandre Capote, titular da Delegacia de Repressão às Atividades Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE). A milícia impunha até a compra de cestas básicas superfaturadas de R$ 70 para R$ 220. 

“A prisão do Cachorrão é fundamental para a desarticulação da quadrilha”, analisou o promotor Marcus Vinicius Leite, responsável por denunciar o grupo por formação de quadrilha armada à Justiça. Cachorrão era peça fundamental do esquema após as prisões dos ex-PMs Toni Ângelo, o Erótico, em 2013, e Marco José de Lima Gomes, o Gão, preso terça-feira pela Divisão de Homicídio (DH). 

A operação contou com 350 agentes. Um homem foi preso em flagrante por porte de arma e outro por ser foragido da Justiça. Segundo balanço da Secretaria de Segurança dos 27 mandados de prisão, 19 foram cumpridos, e 90 mandados de busca e apreensão. Para o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, a ação reflete o combate a uma prática criminosa enraizada há 20 anos. “Existe uma estrutura de milícias que resiste no Rio. Foram muitos anos sem que nada fosse feito. A cada ação, o crime diminui. A Polícia tem problemas, mas são pontuais”, afirmou.

Treze agentes, dos quais seis PMs, integravam bando - A prisão de Ademir Horácio de Lima, o Demi, síndico de um dos condomínios, revela outra tática usada pela milícia para acuar moradores. “Era um estado de exceção em pleno Rio de Janeiro. Com o apoio dos síndicos, os milicianos sabiam quais eram os melhores imóveis a ser ocupados e cobravam cotas em dinheiro. Muitas vezes, as ‘visitas’ aos moradores eram feitas no dia seguinte aos que chegavam nos imóveis”, relatou o diretor de Polícia Especializada, delegado André Drummond. 

Dos 27 acusados, seis são policiais militares, três ex-PMs, um bombeiro, um agente penitenciário, um policial civil e um militar do exército. Entre os materiais apreendidos estão seis carros de luxo, uma moto, seis pistolas, uma carabina e R$7.852 em espécie. De acordo com o promotor Marcus Vinicius Leite, desde 2007, já foram realizadas mais de 700 prisões contra integrantes da Liga da Justiça. “Nosso trabalho é contínuo. Não podemos deixar que os milicianos se restabeleçam por lá. Contamos com a contribuição popular através do Disque-Denúncia (2253-1177). A cada prisão, o grupo fica ainda mais acéfalo”, analisou Marcus Vinicius.

Assassinato era forma de intimidação - Dono da empresa CL Cestas Básicas, Lenilson de Oliveira, o CL, militar do Exército, é apontado como o principal responsável pelo monopólio de venda de cestas básicas superfaturadas a R$ 220. Nos supermercados, o preço não passa de R$ 70. 

Para isso, ele se aliou à empresa Crack das Cestas. O negócio pertencia ao policial militar Mozar Soares da Cunha assassinado a tiros, dentro de seu Chevrolet Camaro, quando transportava R$ 100 mil em espécie, no dia 28 de março, em Coelho Neto.  A quadrilha usava de violência para obrigar os moradores a pagar taxas de ‘segurança’, valores extras de luz, gás e água, além de ligações clandestinas de TV a cabo, conhecida como ‘gatonet’. Quem se negava a pagar ou atrasava era delatado aos milicianos e expulso do apartamento.

No inquérito, ex-morador contou que donos de imóveis foram mortos na frente de outros como demonstração de força do bando. Na casa de Ademir Horácio de Lima, o Demi, a polícia apreendeu chips de celulares, boletos e listas de controle de cobrança. A Liga da Justiça foi fundada pelos irmãos Jerominho, ex-vereador; e Natalino Guimarães, ex-deputado estadual, ambos presos. “Aqui é a milícia. Já matamos um, rala. Você tem dois minutos para sair, antes que eu mate você e essas duas”, ordenou Ademir Horácio de Lima, o Demi, acompanhado de Jorge Luiz da Silva Caldeira, o Sargento, Petrúcio Reis da Anunciação, o Petruk e Renan dos Santos Barbosa, em outubro de 2013. Na ocasião, moradora, que estava com duas filhas, foi expulsa, com a roupa do corpo, do Condomínio Ferrara, em Campo Grande. Em maio de 2011, a Justiça começou a reintegração de posse de 143 apartamentos invadidos.

O empreendimento foi erguido como parte do Programa Minha Casa, Minha Vida, principal projeto habitacional do governo federal. O trabalho de retomada dos imóveis foi interrompido por causa da milícia. A denúncia foi feita pelo então secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar. Ele acusou policiais de fazerem vista grossa para homens armados no condomínio e denunciou à Secretaria de Segurança.

Fonte: O DIA | Reportagem de Adriana Cruz, Gabriel Sabóia e Marcello Victor.

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