Revista Veja: "A crença no sobrenatural é perigosa", diz psicólogo.

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Dr. Michael Shermer é conhecido por sua dedicação no combater superstições. O psicólogo criou uma ONG, uma revista (Skeptic Magazine), sites e programas de TV focados em promover o pensamento científico e desmascarar charlatões. Shermer, que chega ao Brasil no fim deste mês para uma série de palestras, é autor de quinze livros. O último, Cérebro e Crença, foi lançado em português na semana passada. 

Ele concedeu uma entrevista para revista "VEJA" desta semana, Michael disse que a tendência a se iludir com fantasias é própria do processo mental humano e defende o combate à crendice em favor do progresso.

Confira abaixo:


Revista Veja: Por que as pessoas acreditam no inacreditável?

Michael Shermer: A evolução fez do cérebro uma espécie de máquina de reconhecimento de padrões na natureza. Às vezes, esses padrões são reais, mas na maioria dos casos são fruto da imaginação. Milhões de anos no passado, ao ouvir um barulho vindo da mata, um hominídeo poderia supor que se tratava de algo inofensivo, como o vento. Se estivesse errado, e fosse um predador, correria o risco de ser devorado. Nosso ancestral poderia, por outro lado, imaginar a presença de uma divindade perigosa no mato e se afastar o mais rápido possível.

A segunda opção é a que a maioria adota. Imaginar o perigo e fugir garante a sobrevivência, mas também a ignorância. Ir até o mato verificar do que realmente se trata o barulho exige curiosidade e uma batalha contra os instintos. É nessa categoria, a dos homens que não se rendem a narrativas fictícias, que se encaixa o cientista. Os crentes seguem a trilha inversa, a dos que se contentam com suposições sobrenaturais. É um fenômeno que tem a ver com a química do cérebro: a convicção de que o pensamento mágico é o que basta para a compreensão do universo produz uma sensação de prazer. Ficamos felizes em imaginar que seres místicos, sejam eles deuses ou extraterrestres, se preocupam e cuidam de nós. Não nos sentimos sós.

Revista Veja: Como se sabe que o cérebro é propenso a acreditar no fantástico?

Michael Shermer: A neurociência identifica padrões de ondas cerebrais distintos que nos levam a criar crendices e a ter prazer na constatação de que temos respostas às nossas dúvidas. Em situações extremas, como as enfrentadas por quem está no limite da resistência física ou próximo à morte, o cérebro reage com a redução da atividade na área responsável pela consciência e o aumento em regiões ligadas à imaginação. Essa reação natural está na origem das alucinações. Não há mistério nesse processo. Os cientistas são capazes de produzir visões ou a sensação de transcendência espiritual com o estímulo artificial de certas áreas do cérebro.

Revista Veja: O senhor foi um cristão evangélico ativo no esforço de atrair fiéis para sua igreja. Como se tornou um cético?

Michael Shermer: Somos mais abertos à religião na juventude e na velhice. Naturalmente, no fim da vida é comum procurar por conceitos reconfortantes, ainda que irreais. No meu caso, o apelo da crendice me atingiu na juventude, como uma explicação fácil para tudo o que existe. A religião tem um apelo social enorme. O ambiente alentador de uma comunidade ajuda a afastar as dúvidas até daqueles que não acreditam plenamente no sobrenatural e nos dogmas religiosos. Desvencilhei-me da crença ao entrar para a comunidade científica. O método científico, cujo princípio básico é o de que qualquer afirmação deve ser comprovada em experimentos repetidos, alimenta o ceticismo e favorece o progresso.

Revista Veja: O que faz com que a ciência seja a melhor ferramenta para explicar o mundo?

Michael Shermer: A ciência é democrática. Qualquer um pode estudar e chegar a conclusões racionais. Cientistas estão abertos à possibilidade de estarem errados e, por isso, promovem a invenção e a reinvenção de conceitos. É o que garante o avanço do conhecimento. A crendice é intolerante. Fixa uma verdade e não abre espaço para perguntas. Se nos apegássemos apenas ao sobrenatural, nunca teríamos saído da floresta e criado a civilização.

Revista Veja: No mundo moderno, ainda precisamos da crença?

Michael Shermer: É impossível deixar de crer. A ciência também depende da nossa capacidade de elaborar crenças. Qualquer experimento nasce com uma premissa baseada no que se acredita ser verdade. Ideologias também precisam da habilidade de crer. Eu acredito no liberalismo, na democracia e nos direitos humanos. Podemos, porém, abandonar o que não pode ser explicado, como deuses e bruxos. Não nos faria falta.

Revista Veja: Há vantagens na crença?

Michael Shermer: A evolução nos concedeu a habilidade de acreditar por boas razões. A crença em divindades nos levou a temer o mundo e, com isso, nos ajudou a sobreviver nele. Também contribuiu para a formulação de leis que regiam comunidades primitivas. A moral e a ética nasceram na religião.

Revista Veja: Se a ética tem origem religiosa, por que ela prevalece na sociedade laica?

Michael Shermer: As igrejas se tornaram um fator de corrupção, motivo de guerras e perseguições. Por sorte, presenciamos o declínio da crença no sobrenatural. Países do norte europeu, onde apenas um quarto da população segue alguma religião, têm índices de criminalidade, suicídio e doenças sexualmente transmissíveis inferiores aos de estados em que a maioria dos habitantes é de crentes, como os Estados Unidos e o Brasil. Se a religião se declara um bastião da bondade, por que, historicamente, estados teocráticos são mais suscetíveis à criminalidade do que os seculares?

Revista Veja: Apesar de vivermos na era da ciência, cresce a crença no sobrenatural. Por quê?

Michael Shermer: É verdade que vivemos num mundo em que a ciência faz parte do dia a dia. Todos gostam de iPhones e admiram as naves que pousam em Marte. Mas poucos abdicam de crenças sobrenaturais e aceitam a ciência como ferramenta para explicar o universo. A maioria só quer aproveitar os produtos da ciência. Quando se trata de responder a dúvidas primordiais, como a origem do universo ou o sentido da existência, preferem explicações irreais, mas convincentes em suas narrativas fictícias.

Revista Veja: Por que o senhor se dá ao trabalho de combater a superstição?

Michael Shermer: Sempre me perguntam por que não deixo os crentes em paz. Ocorre que a crença no sobrenatural não é inócua. Ao contrário, é bastante perigosa. Acreditar na dita medicina alternativa é um exemplo. Muita gente morre por substituir o tratamento médico sério por procedimentos supersticiosos, como o consumo de ervas com propriedades supostamente milagrosas.

Revista Veja: Não é possível provar a existência de divindades e criaturas fantásticas. O senhor concorda que também é difícil provar que não existam?

Michael Shermer: O fato de não explicarmos um mistério não significa que ele exija explicações sobrenaturais. Só mostra que ainda não há resposta. O ônus da prova cabe aos crentes. O cético só crê no que é provado. Nesse aspecto, a ciência tem feito bom trabalho ao desmascarar mitos. No passado, já se acreditou que a Terra viajava pelo cosmo no lombo de um elefante. Existem 10.000 religiões. Espanta-me a arrogância de quem supõe que só uma crença seja correta em meio a tantas.

Revista Veja: O senhor leva em consideração que pode estar errado?

Michael Shermer: Assim como todos, só descobrirei a resposta quando morrer. Como cientista, estou aberto à possibilidade de ter me enganado. Se houver um ou vários deuses, ficarei surpreso. Mas não tenho medo. Se há um Deus, ele me deu um cérebro para pensar. Meu pecado seria usá-lo para raciocinar e buscar explicações? Um ser benevolente não me puniria por utilizar bem as armas que me concedeu.

Fonte: Revista Veja.

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